quinta-feira, 10 de julho de 2008

Viagem!


Adoro viajar, mas a viagem me preocupa. Isto até chegar e sentir aquele alívio, não aconteceu nada de ruim. Viagens de carro são muito estressantes. Temo as estradas, os acidentes, a velocidade. As notícias são de morte, e na véspera dos feriados somos bombardeados com apelos e tragédias. As estradas são ruins, os motoristas talvez, os carros muito velozes. Isso tudo acaba fazendo do trajeto um peso ou uma nódoa na viagem.
Os pais nos alertam para que tomemos cuidados, os amigos também. As crianças não vão brincando ou lendo no bando de trás, vão com os pescoços esticados tentando olhar para ver onde os pais irão conduzi-los.
Mas como chegar sem percorrer? Como viver sem conhecer outros lugares, sem visitar um amigo distante, um parente?
Da mesma forma, na vida toda, os percursos são muitas vezes mais importantes que o próprio objetivo.
Todos sabem quanto precisamos de estradas melhores, de pessoas que dirijam melhor, que não bebam antes de dirigir. De jovens mais preparados para tudo, ainda mais para conduzir um carro. E até mesmo para quem passe ileso enquanto tudo isso não melhorar, ficará sempre uma tristeza, um pesar por quem morre no caminho. Como no poema “De Repente, a Morte” do Affonso Romano de Sant’Anna – “Em 20/30 anos quantas mortes morrerei na morte dos demais?”.
Tristezas a parte, um aliado nas viagens é o telefone celular, usado para acalmar a família. É até cômico, as pessoas param para tomar um café e já ligam – “Mãe, está tudo bem, estamos aqui fazendo um lanche”.
Outros, na rua, caminham e falam, sorriem, balançam a cabeça afirmativamente. Está tudo bem.
Os celulares produzem cenas engraçadas. O meu, é a prova de água e antifurto. Sim, já caiu no vaso sanitário, antes do uso, e sobreviveu. Desmontei, sequei com o secador de cabelos e tudo funcionando. Anti-roubo porque assaltaram uma clínica onde eu estava aguardando uma consulta. O bandido decretou – dinheiro e celular na mão. Não pegaram meu telefone nem meu dinheiro, dos outros levaram tudo. E olha que ele não é tão simples e nem tem uma coisa piscante pendurada. Acho que foi pura sorte.
Outro dia estava aguardando com uma moça em um consultório. De repente o telefone dela tocou, uma música muito esquisita. Ela atendeu. Era o “Tchucotchuco”, namorado dela. Começou uma conversa das mais melosas. Ela pedia para ele:
- Diz que me ama vai?
Acho que ele respondia. Ela pedia:
- Fala quanto “Tchucotchuco”.
Ele falava. Ela insistia:
- Manda um beijo amor, manda?
Ele mandava, acho. Então ela exigia:
- Diz aonde amoreco!!!
Eu fiquei doida para saber, por que nessa hora ela quase teve um orgasmo.
Que viagem!!!

sábado, 24 de maio de 2008

Uma voz interior


Loucura ou não, não sei dizer, mas tudo começou com minha avó. Quando eu tinha uns seis anos, ouvi-a aconselhando uma amiga. Dizia que era preciso meditar, ficar em silêncio, para ouvir certa voz interior, que vinha do coração.
Muitas outras vezes eu vi, ela falava sozinha em voz baixa, sorria até. Balançava a cabeça afirmativamente, concordava. Adorava vê-la assim.


Tanto, que descobri ou criei, um amigo imaginário que também falava comigo. Íamos juntos para o colégio, brincávamos, e ele até fazia os temas comigo. Ele ou ela podia ser o que eu quisesse. Era menino quando nós subíamos na goiabeira e menina quando vestíamos as bonecas.


Não sei bem quando meu amigo foi morar em outro lugar, ficou distante. Também não sei precisar o exato momento em que ele voltou a falar comigo. Hoje sei que ele amadureceu muito, me dá conselhos precisos e na hora certa. Nem sempre são palavras, mas são respostas que surgem na forma de um livro, de uma pessoa, um acontecimento cotidiano.


Alter ego ou consciência, espiritualidade, anjo da guarda? Piração?
Sei lá. Estando sob controle é a conta.
E tenho confiança que isso não é privilégio meu. Sei que para outros, isso foge completamente ao controle. O limite entre a sanidade e a loucura pode tornar-se sutil.


Participei de uma oficina de crítica do conto, na CCMQ, com Flávio Ilha. O primeiro conto analisado foi William Wilson do Edgar Allan Poe. O conto é a história de um homem que se sente perseguido por um sujeito de mesmo nome que tenta roubar-lhe a identidade e a vida. O fim é trágico.
O autor denuncia-se, dá pistas de que o conflito é o dele mesmo. Uma luta interna da perversidade com a vontade agir corretamente que segundo ele, estaria em todo ser humano. Os deslizes do narrador são os do escritor, alcoolismo, vício pelo jogo.


No conto, a obsessão em derrotar o duplo chega ao extremo e na ânsia de acabar com o tormento o suicido é a única alternativa.
Porém, matando o homônimo, William Wilson acaba com a própria vida.
Mas estou tranqüila, minha voz interior não esconde nenhuma perversidade, nem compete comigo em nada.


É mais aquela voz que tantas pessoas confessam abertamente. Uma voz sábia, visceral. Uma intuição.
Se você também ouve essa voz, não tenha medo, analise, escute, quem sabe não vem daí uma boa dica.


...O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, “está batendo a meus umbrais”.
É só isto, e nada mais. ...

(Versos do poema O Corvo de Edgar Allan Poe, tradução de Fernando Pessoa)

sexta-feira, 7 de março de 2008

Troca


Os paradigmas estão aí para serem quebrados, mas às vezes é difícil acreditar nas exceções. Sempre acreditei que depois dos cinqüenta anos qualquer mudança radical, importante, é quase impossível. Que ninguém consegue mudar suas atitudes depois de tanto tempo aprendendo, experimentando, adaptando seu comportamento.

Pois tenho uma amiga que tem setenta e oito anos e mudou radicalmente de atitude perante a vida. Claro, ela sofreu uma perda, ficou viúva de um casamento com maisde cinqüenta anos. É certo, quando acontece algo de muito impacto as pessoas podem mesmo mudar. Mas o interessante é que essa minha amiga era dedicadíssima ao esposo, fazia tudo para ele. Alcançava a toalha no banho, servia o prato no almoço, buscava um copo d’água a qualquer hora. Carinhosa, amiga.

Porém tinha um temperamento autoritário e controlador, pessimista na maior parte do tempo. Nunca era feliz por completo, sempre tinha um “é, mas pode acontecer algo ruim”.Ele era o otimismo em pessoa, sempre tranqüilo, apaziguador, confiante.

Quandoficou viúva, temi que ela ficasse deprimida, fechada em casa, temendo o futuro, já que vivia para ele.Levou um tempo para se recuperar, sofreu, mas tocou a vida com fé e confiança. Arrumou a casa, está cuidando da aparência, demonstrando alegria e esperança no futuro, não importa como ele venha. Que venha bem.

Eu diria até que ela assumiu a personalidade do marido que morreu, quase totalmente. Ficou apenas com a fibra e a força que já possuía.Se é possível, eu não sei, mas aconteceu.

ILAPSO


Já disse muitas vezes e repito, eu acredito. Tenho fé na vida, no desejo, nas pessoas. Um dos meus amigos está doente, com câncer. E ele está com esperança, acreditando, ao contrário das expectativas.Temo por ele, pois se não der certo, se os resultados não se mostrarem positivos,ele sofrerá muito. Mas também sem confiar, ele já estaria morrendo antes.Fico impressionada com a aura de tranqüilidade que está em volta dele. Como se ele estivesse protegido. O futuro pode ser de qualquer jeito,ele está confiante.


Confiante em Deus, independente do que aconteça.Não aquele Deus da religião, mas o da oração, o Criador.Isso não fazia parte dele antes e nem podia imaginar que ele fosse capaz. Ele parecia tão prático, tão materialista, embora fizesse suas orações,mais por medo do destino, do que por fidelidade. Disseram-me que os mais velhos nos ensinam coisas, assim, com a própria vida. Respondi que talvez. Acho que a gente aprende com todos, basta estarmos atentos. “Quando o discípulo está pronto o mestre aparece”. Acredito nessa afirmação, e mais, o mestre pode estar no próprio aluno. É simplesmente um ilapso.

Atrás da cortina


Poderia ser um conto, mas não é, aconteceu de verdade, faz pouco tempo.

Todos os dias, a qualquer hora, quando alguém chegava, ela estava espiando por detrás da cortina. Era assim a vizinha de uma amiga minha. Os vizinhos desconfiavam que ela tivesse algum problema de saúde, pois nunca a viam na rua. Alguns diziam que ela saia muito cedo, fazia compras em algum lugar distante e retornava em algum momento que ninguém percebia.


O problema é que todos juravam que a cortina mexia sempre, então quando ela dormia? Nestes momentos de compras não poderia ter ninguém em casa. Quando a mudança chegou ninguém viu. Simplesmente apareceram cortinas novas na janela. A misteriosa mulher da cortina não recebia jornais, nem cartas, não conversava com ninguém.


A mãe da minha amiga resolveu que faria uma aproximação e daquele dia em diante acenava para a janela toda vez que saia ou entrava no prédio. A cortina tremia, uma sombra passava de um lado para o outro e mais nada.


Meses depois, quando ela quase tinha desistido, uma mão acenou pelo vão da cortina. Ela não hesitou, foi até o apartamento e tocou a campainha. Quando já estava quase desistindo de esperar a porta abriu e uma simpática velhinha atendeu, convidando-a para entrar. Tudo muito arrumadinho e combinando. No sofá da sala outra velhinha, igual a que atendeu a porta, gêmea da primeira.


Não falavam com ninguém porque são do interior e não falam português corretamente, falam alemão. Mas a amizade já foi multiplicada e todos no prédio acenam para elas que já estão com as cortinas abertas.


A mãe da Lili, minha amiga, diz que agora costuma acenar sempre quando percebe alguém escondido atrás de uma cortina.

Perfídia


As pessoas me contam, não consigo evitar. Desta vez são casos de traição. Casos de amantes que trabalham no mesmo local. E outros e mais outros.

O assunto rendeu por vários dias, conversa vai e vem, alguém lembrava de mais algum detalhe. Uma sogra que bateu no genro traidor em pleno local de trabalho. Uma mulher que invadiu o escritório do marido e gritou impropérios para todos ouvirem.


Então um amigo machista disse que os problemas acontecem porque os traidores não seguem uma conduta adequada para quem tem amante. Olha só que lindo, o código de proteção do sem vergonha. Ele parte do princípio que é normal ter amante, os homens no caso. E ele nunca, é claro. Embora ele tenha afirmado que um destes princípios do amante de sucesso é negar até a morte.


Entre os demais preceitos ele diz que o traidor não deve dar informações muito particulares para a concubina. Endereço de casa, telefone particular, nomes dos familiares, detalhes da vida particular, nada. Isso se ela não for sua colega de trabalho. O que ele não acha muito interessante, pois expõe demais o salafrário.

Não deve levá-la em viagens, nem tirar fotografias. Deve encontrá-la em horário de expediente, para não causar suspeita na titular. Para ele, esposa é titular.Diz ainda que não tem problema nenhum, a esposa é sempre a preferida. Em primeiro lugar a família! A experiência só valoriza mais a relação, no caso masculino, acrescenta.


Perguntei qual seria a vantagem da amante já que ela não pode aparecer em público com o ser amado, nem compartilhar momentos de lazer com o sujeito. Ele respondeu que é o amado em si. O maravilhoso ser que dispõe de alguns momentos para entregar-se a amante.Só pode estar de brincadeira!


Mas outro colega, com mais idade, apressou-se a acrescentar que no tempo em que as mulheres não eram tão independentes,era isso mesmo que acontecia. Agora, elas estão muito inteligentes, e vingativas.