quinta-feira, 28 de junho de 2007

O que seria?

O que seria da amizade
Se um amigo não aparecesse
Do nada para nos fazer sorrir,
Para acompanhar em um momento difícil,
Ou simplesmente tomar um café?
- Seria nada.
O que seria da paixão
Sem fantasia, sem surpresa ou perfume,
Sem boca vermelha,
Mordida na orelha
E ciúme?
- Rotina.
O que seria do amor sem carinho,
Respeito, amizade. Sem ser
Companheiro, dividir, ceder, perdoar?
- Vazio.
O que seria da vida sem o imprevisto,
O arrependimento, a busca e a fé?
- Morte.
O que seria da morte sem aqueles
Que acreditam no fim de tudo e os outros
Que sabem que existe outra vida, outras vidas?
- Mentira.
O que seria do domingo
Se não fosse prenúncio de segunda-feira,
De tédio, de falta de inspiração?
- Seria outro dia.
E se o conto não virasse romance e
A imaginação não permitisse sonhar?
O mundo seria diferente
E de certo
Sem poesia.

O melhor sono


Aprendemos desde cedo a observar, tirar conclusões e usar da experiência de outros para não repetir os mesmos erros. Algumas coisas, nós fazemos, mesmo com a certeza de que é um risco ou faz mal a saúde. Fumamos, bebemos, aceleramos em locais proibidos.
E tantos outros pecadilhos.
Ciente, ou quase, dos danos que teremos que arcar.
Talvez porque no íntimo, julgamos que determinados acontecimentos não nos atingirão jamais. É difícil aceitar até que aconteçam com os outros.
Há anos eu menosprezava a depressão, achava exagero, frescura até. Foi uma depressão após o parto que me fez reconhecer a gravidade do problema.
Fui aprendendo a respeitar os problemas de todos.
Sempre acreditei também, que exames médicos não devem ser temidos, afinal eles estão aí para nos ajudar. Se for diagnosticado um problema, que venha, devemos enfrentá-lo.
Novamente falhei na avaliação e na semana passada, me apavorei com uma endoscopia.
Todos dizendo que era simples e eu tremendo.
Senti-me um pouco aliviada no dia do exame, pois meus companheiros de espera compartilhavam da mesma angústia. Ri, falei muito, foi a maneira que usei para enfrentar o nervosismo.
Depois veio o remedinho aquele que bota a gente para dormir, derruba até elefante. É remédio para se tomar deitado porque senão a cama jamais será encontrada. O maldito pode produzir amnésia anterógrada, ou seja, esquecemos os eventos recentes. Esqueci totalmente o trajeto do hospital até em casa.
Dormi o dia inteiro, acordei com a cabeça leve.
Assim fica fácil entender, porque as pessoas que não conseguem enfrentar determinadas situações, recorrem às drogas. Fugir do mundo e dos problemas pode parecer uma delícia.
Sofri pelo resultado, azucrinei todo mundo mas felizmente não é nada grave.
E tirei mais uma conclusão importante – mentira de quem diz que o melhor sono é o sono depois do sexo. É mesmo o sono depois da endoscopia.
Piadas a parte, tem horas em que seria bom ser criança novamente e não ter preocupações.

O melhor no final

Tem muita gente que prefere deixar o melhor para o final. Primeiro as notícias ruins, depois as boas. Primeiro as tarefas complicadas, depois as fáceis. Assuntos chatos primeiro, depois os mais leves. Para ficar livre logo do que parece mais difícil.
O Jorge e o Paulo, meus primos, eram assim quando pequenos. Na hora do almoço deixavam por último a carne, que consideravam o melhor. Época de pouca carne aquela, bife era luxo. Carne de primeira então, nem se fala. Achava maravilhoso o ritual que os dois faziam, contornando a carne, comendo o arroz com feijão, a salada e a guarnição. Sobrava no prato limpo, soberano, o bife. Segurando com o garfo e protegendo com a faca eles encontravam a melhor posição e finalmente, com cortes precisos, faziam filetes que eram levados lentamente à boca. Enquanto mastigavam, os talheres permaneciam protegendo o restante da carne.
Como boa aprendiza, copiei a tática. Quando ganhei uma caixa com seis doces, só para mim, apliquei o que foi observado. Comi primeiro os quindins, depois os branquinhos e deixei os dois brigadeiros, maravilhosos, para o final. No meu exército de doces preferidos, eles, os brigadeiros, desrespeitam qualquer hierarquia militar e são superiores a qualquer general olho-de-sogra e marechal papo-de-anjo. Na hora do bem merecido ataque, minha mãe recebeu uma visita, uma amiga que trouxe junto uma filha. A danada já entrou de olho na minha caixa. E o general mãe decretou que os últimos dois seriam destinados a ela. De boca lambuzada e cheia de raiva, entreguei-os para a morte naquela boquinha desdentada.
Teorias reprovadas desde muito cedo, impedem-me de deixar sempre o melhor para o final. Se tiver coisa boa que venha agora, pois coisas melhores serão desejadas e conquistadas, se deixar para o final, alguém pode levar a melhor. Acreditem!

domingo, 24 de junho de 2007

O bode


A história do bode, quem contou foi meu irmão. Acho que é uma parábola árabe ou chinesa.
Falávamos sobre pessoas que nunca estão satisfeitas. Não aquelas que constroem novas metas constantemente, e são inovadoras. Mas aquelas que reclamam de tudo mesmo e querem sempre que alguém resolva suas carências.
Estão sempre pedindo, e quando são atendidas, querem outra coisa. Costumam aceitar com felicidade quando recebem algo, mas logo vão achando problemas ou dificuldades no que obtiveram. Outras têm tudo de bom e não valorizam, não enxergam a boa sorte.
Assim acontecia com os filhos de um lavrador. Eles ficavam em casa sem trabalhar, sentados na sala reclamando de como era ruim, como a sala era pequena, como era pouco iluminada e nada confortável. O pai então trouxe o bode do quintal e deixou amarrado na sala com os filhos, que passaram a reclamar muito do bode. Ele fedia, fazia as necessidades ali mesmo e ruminava o dia inteiro. Após alguns dias o homem propôs tirar o bode da sala para deixar todos felizes. Alegria geral, agora tudo estava bem.
Determinadas pessoas não vêem que a felicidade já está a seu lado. Eu também cometo esse erro. Mas ultimamente estou querendo espalhar uns bodes por aí.

O amor

Sempre fui romântica, lá no fundo, sem querer admitir. Dizia que não gostava de frescuras como flores e poemas, porque tinha medo de não receber jamais.
Acreditei sempre no amor como um sentimento único, que não acaba, que é solidário, que está associado ao carinho a amizade, ao bem do ser amado.
Acreditei em um amor pelo outro do jeito que ele é. Não naquele amor que pretende modificar, modelar para seu próprio prazer. Um amor sincero e tranqüilo, conversado e partilhado. Refúgio de todos os problemas, paraíso de todas as conquistas.
Imaginei que para esse amor nenhuma rotina seria veneno, nenhuma briga seria ferida.

Presumi que o tempo seria aliado na maturação dos pensamentos e atitudes, assim como no vinho.
Amor que faz poesia, beija a qualquer hora, faz declarações absurdas e tolas. Tem música, perfume, lugar favorito. Tem paixão, e ela aparece sempre para quebrar o ritmo tranqüilo de uma segunda-feira. E se faz namorado mesmo depois de anos e anos de casamento.
Acreditar no amor é o primeiro passo para amar e amar muito e sempre.
"... Por tudo que se tenha dito. Por mais que se tenha amado. Sempre haverá um ser aflito. Querendo ficar apaixonado.”

Não sei


É difícil dizer não sei. Ninguém gosta de parecer ignorante sobre qualquer assunto, do mais simples ao mais complicado. Mas todos gostam de opinar sobre qualquer coisa. Outros, nos acham entendidos em algum assunto e teimam em nos consultar a qualquer hora. Aconteceu comigo – no ônibus. Estava lendo Quintana e aquele sujeito nada simpático sentou ao meu lado e já foi puxando assunto.
- Trabalhas em que área?
- Química.
- É bom poder explicar esses assuntos polêmicos, dos adoçantes causarem câncer, dos agrotóxicos, da camada de ozônio, sabes?
- Não, não sei.
E já fui enfiando a cara no meu livro.
- Mario Quintana?
- Sim.
- Não gosto das poesias dele.
- Cada um tem seu gosto, mas deves ler mais um pouco. Quando leio um poema qualquer e não gosto, procuro ler outros poemas do mesmo autor, em outras oportunidades.
- Ele está sendo homenageado?
- Está. Em 2006 ele faria 100 anos, se estivesse vivo. Nasceu em 30 de julho de 1906.
- Mas ele nasceu em Porto Alegre?
- Não, foi em Alegrete.
- Tu gostas de poesia, estou vendo. Mas tu sabes tudo sobre ele?
- Não, não sei.
- Hã, está certo.
Disse ele, decepcionado.
- A Feira do Livro aqui em Porto Alegre é bem legal, não é?
- É sim, muito boa.
- Está em qual edição?
- Este ano será a de número cinqüenta e dois.
- Então é quin..
- Qüinquagésima segunda.
- Nossa, que difícil, tu deves estudar bastante português!
- Sim, estudo.
- Então sabes tudo?
- Não considero o bastante.
- Não ficas com vergonha de dizer não sei?
- Eu nada sei.
- Ahã! É Sócrates? Coisa de intelectual.
- Não, é Kid abelha. Uma composição da Paula Toller e do George Israel.
... Nada sei dessa vida
Vivo sem saber
Nunca soube, nada saberei
Sigo sem saber
... Sou errada, sou errante
Sempre na estrada
Sempre distante
Vou errando enquanto o tempo me deixar passar
Vou errando enquanto o tempo me deixar.
A música e a minha parada encerram o assunto.

domingo, 3 de junho de 2007

Não liguem para mim!


Imagine a cena: chego em casa, faço minhas tarefas e estou ali, de bobeira com a família, lendo ou assistindo TV, conversando. O telefone toca e eu atendo. É uma moça gentil, com sotaque diferente, de uma empresa de cartão de crédito. Ouço tudo, tento não ser mal-educada. Afinal, ela está trabalhando. Embora seja essa a quarta ligação da mesma empresa que eu recebo só esta semana.
Digo que não quero, que já tenho outro, que gosto do outro. Ela quer saber qual, quer saber qual meu limite. É invasão de privacidade mas eu respondo. Ela diz que o dela é melhor, digo que não tem problema, gosto do meu. Não adianta. Ela diz que vou estar recebendo o cartão em casa e se eu não quiser usar, não desbloqueio.
Explico novamente, não quero receber nada. Se eu quiser, vou ligar e pedir um para mim.
Ela não acredita.
Peço licença e vou desligando.
No dia seguinte falo com meus amigos. Com eles acontece exatamente a mesma coisa. As respostas são variadas. Alguns escutam tudo e dizem não, ainda que não resolva. Outros batem logo o telefone na cara. Tem aqueles que recorrem aos palavrões. Em todos os casos, elas ou eles, ligam novamente.
Houve até um caso de um sujeito que teve uma conta aberta em determinado banco sem nunca ter pisado na agência, depois ficou sabendo que tinha uma dívida e que teria que ir até o banco se quisesse encerar a maldita conta sem ser processado.
Resolvi então ligar para a empresa que atormenta. Liguei, atendeu uma gravação, optei várias vezes por números aparentemente corretos. Falei com um atendente – viva!
Expliquei tudo, que não queria nada. Ou melhor, quero que parem de ligar para mim. Ela, com a maior naturalidade, disse que eu deveria ligar mais tarde pois no momento, o sistema estava fora do ar.
Não é lindo?
Pois agora, já ensaiei a resposta. Quando uma outra ligar – é sempre uma outra pessoa, diferente daquela que já falou comigo. Vou dizer:
- Querida (o) não posso aceitar seu cartão pois o sistema de vocês tem uma falha.
Ela (e) vai perguntar:
- Senhora, qual seria a falha?
E eu digo triunfante:
- Não tem registro arquivado. Não grava as preferências e opiniões dos possíveis clientes. Portanto, não é confiável.
Ou digo que me sistema está fora do ar.
Espero que resolva. Ou quem sabe, se estas pessoas acessam a internet, se lêem minha coluna, posso mandar um recado:
Não liguem para mim!!!!!

Não digo mais que não tenho tempo

Tempos modernos, todos correndo sempre. Ninguém consegue fazer tudo o que quer no tempo que dispõem. E cada vez quer fazer mais e ganhar mais e saber mais.
Mas isso faz com que a maioria das pessoas não tenha tempo para qualquer atividade fora da sua rotina, para lazer, para família, para ficar de bobeira. Para dar atenção a um amigo, conversar.
Algumas dizem que estão ocupadas sempre e interpretam um personagem chato, apressado, turbulento. Que faz várias atividades ao mesmo tempo, está quase sempre telefonando ou recebendo chamadas e não consegue manter o olhar nos olhos do seu interlocutor.
Acho que estão doentes, com uma síndrome.
Existem tantas síndromes! Da apnéia obstrutiva do sono (SAOS), do intestino irritável (SII), síndrome de Tourette (ST), que se caracteriza por tiques ou por vocalizações que ocorrem repetidamente.
Inventei a síndrome do sem tempo, que deve ser a síndrome de parecer ou acreditar que se está sempre ocupado (SST).
A SST causa ataque cardíaco, elevação da pressão arterial, perda de amizades, antipatia. E o mais grave – absorve a vida do doente de tal forma que chegará um dia em que ele terá certeza de que não viveu, só ficou ocupado.
Querer alcançar os objetivos em curto prazo e trabalhar cada vez mais pode tornar-se um vício. Um ritmo extenuante, como um atleta em busca da superação.
Porém, até os atletas, pensam na diversão, na família. Agora mesmo, nos jogos de inverno da Olimpíada de Turim, assisti vários atletas declarando que na hora da prova concentravam-se no trajeto planejado e aproveitavam a alegria de estarem nos jogos.
Isabel Clark, que dia 17 conquistou a nona colocação na prova de boardercross, o melhor resultado brasileiro em todas os jogos de inverno, mostrou sua alegria em estar com a torcida da família e dos amigos.
Não tenho a menor dúvida de que não posso fazer tudo que desejo no tempo que tenho. Mas tenho certeza que o mais importante é oferecer meu tempo para as pessoas que amo. Para mim também, é certo. E mesmo que esteja atarefada, não permito que isso, estar ocupada, seja o mais importante.
Tempo a gente sempre tem, é só saber usar.