sexta-feira, 27 de abril de 2007

Personagens


Essa é a história de um amigo de um amigo meu que queria muito ser escritor. Desses famosos, que vivem de literatura. O sujeito escrevia muito e lia muito também. Ficava aporrinhando todo mundo para ler seus textos. Levava nas reuniões de amigos e da família, no bar, até no velório do tio ele levou. Pedia opinião, uma crítica, um comentário. Todos liam e diziam que eram bons.


Ele ficava satisfeito na hora, mas logo batia uma insatisfação que só melhorava se ele escrevesse mais. A mãe era a única que guardava as cópias, que já enchiam a gaveta do meio da cômoda. Cômoda antiga, gavetas grandes.


Um amigo dele sugeriu que comprasse um computador. Poderia escrever mais rápido, gravar tudo, usar a internet e passar para outras pessoas. Fazer amigos e mandar seus escritos pelo mundo. E ele fez exatamente assim e mais. Participou de concursos,foi premiado, arrumou trabalho como colunista de uma revista importante.


Então os editores começaram a ditar regras e ele escrevia sob encomenda.

A insatisfação voltou com força e ele criou um personagem, alguém livre para escrever.


Podia mostrar os textos dele na família, como se fossem de um grande amigo. Todos queriam conhecer o tal amigo que escrevia tão bem. Tanto que ele precisou criar um rosto para o personagem, um estilo uma personalidade, uma história. Falava muito nele com a esposa, que adorava as histórias do tal amigo. Ela adorava o modo como ele se vestia, os versos que ele declamava, as viagens que ele tinha feito. Passava horas ouvindo o marido contar. E o personagem foi ficando forte, ocupando todos os espaços, ocupando seu lugar na revista, comprando roupas diferentes, trocando de carro, sorrindo e desfilando nu pela casa.


Os parentes resolveram dar um basta e procuraram a esposa para interná-lo a força. A surpresa foi imensa. Ela disse que jamais faria isso, pois ele era muito mais romântico, beijava muito melhor. Era um amante extraordinário. O outro, o escritor aquele, que ficasse bem longe.


Verdade ou não, mantenho meus personagens bem distantes!

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